A ESCALA 6x1 EM DESARMONIA COM O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
- ogladio2024
- 22 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de nov. de 2024
Liga Acadêmica de Direito Constitucional
O princípio da dignidade da pessoa humana, disciplinado no art. 1º, III da CF/88, é um dogma central e norteador de nossa Carta Magna, ele nos direciona para uma fascinante busca no brilhante plano da igualdade e da preservação dos direitos humanos, este princípio tem poder para atingir a vida dos cidadãos brasileiros em muitas esferas como segurança, educação, moradia e, claro, trabalho.
O trabalho no Brasil desde sempre foi alvo de mudanças e aperfeiçoamentos em nosso ordenamento jurídico, desde a luta dos emancipados do terrível regime da escravidão, passando pelas revoltas grevistas na primeira metade do século XX, circulando o advento da Consolidação das Leis Trabalhistas na Era Vargas, adentrando o movimento sindical que foi fortificado durante a ditadura empresarial-militar, até a recepção das Leis de Vargas e seu aprimoramento pela Carta de 88.
Hoje no Brasil existe uma importante Proposta de Emenda à Constituição de iniciativa da Deputada Erika Hilton do PSOL, a qual visa à modificação do regime de trabalho vigente no país, alterando o texto do art. 7º, XIII da CF/88, para estabelecer que a duração do trabalho não seja superior a 8 horas diárias e 36 semanais, atualmente, a jornada máxima permitida é de 8 horas diárias e 44 semanais. Este projeto instaurou um acalorado debate no plano constitucional a respeito dos direitos dos trabalhadores à desconexão, ao lazer e a um tema primordial, a manutenção da dignidade humana do proletariado brasileiro.
A dignidade humana nos adornos de nossa constituição sempre foi usada como base para a proteção dos direitos fundamentais constituídos em 1988. Nesse sentido, na esteira da discussão trazida pela deputada, o debate sobre possíveis impactos no campo dos direitos fundamentais e consequentemente, na proteção da dignidade humana no âmbito dos três poderes está cada vez mais nítido.
A proteção deste princípio nos traz repercussões em diversas searas, como por exemplo o acesso à Justiça, direito essencial para garantir que os cidadãos possam buscar a realização de seus direitos, especialmente os mais vulneráveis. Qualquer alteração estrutural que limite ou dificulte esse acesso pode comprometer a dignidade das pessoas ao restringir os instrumentos que assegurem a proteção de suas demandas.
Nesta mesma linha, se tem o direito à igualdade, previsto no caput do art. 5º da Constituição, direito este que é diretamente conectado à dignidade humana, e a não observância das necessidades dos trabalhadores, ponto principal da PEC pode criar cenários que reforcem desigualdades, seja pela representatividade parlamentar desproporcional, seja pela falta de acesso igualitário a direitos políticos e sociais, sendo assim, tais desigualdades poderiam afetar a legitimidade democrática e a percepção de justiça social, aspectos essenciais para a dignidade coletiva e individual.
Além disso, há de se considerar a constante luta que as elites do país travam contra um fantasioso cenário em que entregar o mínimo de dignidade ao trabalhador pode gerar dano em sua estrutura econômica de forma irreparável, luta essa que se necessário passará por cima da vida e dignidade de milhões de brasileiros que se agarram a micro oportunidades para suprirem suas necessidades de sobrevivência e subsistência. Assim como no nome do movimento criado pelo vereador eleito no Rio de Janeiro, Rick Azevedo, existe vida além do trabalho, vida essa que e a constituição respalda de forma primordial, o Brasil sempre esteve na vanguarda da manutenção da justiça nos direitos trabalhistas e a busca por um pleno alcance na dignidade da pessoa humana deverá ser sempre ponta de lança no campo constitucional da nação.
Ora, como seria possível usufruir dos mais variados direitos fundamentais assegurados pela Lei Maior do País - desde o direito ao lazer até o direito à saúde- se a escala 6x1 praticamente mitiga uma vida além do trabalho, quando, por exemplo, o trabalhador possui dificuldades para se reunir com a família e até mesmo ir a consultas médicas? E, portanto, como seria possível a real efetividade do princípio da dignidade humana no contexto hodierno da nossa Nação sem mecanismos para se ter a aplicabilidade desses outros princípios? Diante do exposto, a discussão trazida pela Deputada Érika Hilton se mostra, antes de tudo, necessária e no tempo certo.
E, tratando de tempo, é este um dos pontos centrais acerca da discussão da escala 6x1. A temporalidade é imprescindível para que se viva e não apenas sobreviva como uma peça do sistema capitalista. Sob uma ótica crítica, o tempo também se torna perigoso para quem se beneficia de um sistema de exploração dos trabalhadores: operários que dispõe de tempo para formar senso crítico e saborear um cotidiano além do trabalho são o caminho para a construção de uma luta social bem estruturada na busca de igualdade e dignidade humana - anseios que, infelizmente, não são buscados por uma considerável parcela da população brasileira.
De maneira simplificada, Maria Berenice Dias - notória autora na área do Direito das Famílias- aborda em
suas obras um princípio que muito bem dialoga com o discutido até aqui: o princípio constitucional da felicidade. Embora a felicidade em si não seja considerada um direito subjetivo diretamente protegido pela Constituição, pode-se entendê-lo como um objetivo dentro de uma sociedade democrática e, portanto, tal princípio se mostra útil dentro da conjuntaria nacional, pois é adequado que se garanta condições para que seus cidadãos possam persegui-la. Logo, tal princípio, dentre os demais destaques, traz uma reflexão simples: o fim da escala 6x1 pode proporcionar maior qualidade de vida e felicidade ao ser humano e, por isso, uma redução na jornada de trabalho que traria inúmeros benefícios aos trabalhadores se mostra urgente. A respeito de eventuais críticas a respeito desse conceito, pode ser pensado que, com certeza, um dos objetivos do homem não é ser uma máquina exausta e absurdamente explorada pelo trabalho.
Dessarte, as várias nuances relativas ao fim da escala 6x1 traz à tona uma discussão pertinente e crucial: o princípio da dignidade humana só é concretizável a partir da efetividades de outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, tal escala pode ser entendida como uma prática prejudicial ao princípio supracitado e, por isso, garantir jornadas de trabalho mais equilibradas e respeitosas com a necessidade de descanso é uma maneira de assegurar que a dignidade do trabalhador seja preservada, em sintonia com os princípios constitucionais e os direitos fundamentais. Portanto, o fim da escala 6x1 mostra-se impreterível para a garantia de diversos direitos fundamentais, dando ao trabalhador a oportunidade de se viver além do trabalho.
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