“Alea Lacta Est!”
- ogladio2024
- 17 de set. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de nov. de 2024
Felipe Ramos Coelho e Miguel Oliveira Lopes Moreira
Em 49 antes de Cristo, após uma violenta, mas vitoriosa campanha contra os “bárbaros” de Vercingetórix na Gália Cisalpina, Gaius Julius Caesar atravessou o rio Rubicão com suas tropas, marchando em direção a Roma. Cabe constar que, o Senado Romano havia proibido qualquer general de atravessar o rio - fronteira natural entre Roma e o resto do continente europeu - com tropas armadas, sendo este ato um crime, fato que César tinha total ciência. Com esse ato, César promoveria anos de guerra civil com Pompeu e seus apoiadores, e para sempre mudaria a história de Roma.
“Alea Iacta Est!” ou “O dado foi lançado!”, frase que foi atribuída ao General e futuro Ditador Romano, junto com a própria travessia do Rubicão, tornaram-se símbolos de quebra de paradigmas e avanços além dos pontos de não-retorno. Isto é, assim como Roma deixaria de ser uma República representada pelo Senado e o Povo (SPQR - Senatus Populusque Romanus), toda nação e população que “cruzasse o rio Rubicão” não poderia voltar para o contexto na qual se encontrava.
De certo que, ao longo da história das civilizações humanas, essas travessias - cortes epistemológicos, de acordo com a sociologia - se tornaram praxe na ação política, materializados por questões de efeito interno e externo nos países. Visando exemplificar tal afirmação, casos recentes como o fim do Império Turco-Otomano, a Ascensão do Terceiro Reich Alemão, o Estado Novo de Vargas, a Dissolução da USSR e a EuroMaidan, mostram como a tomada de certas ações por grupos ou figuras de considerável importância acarreta na quebra com o que foi anteriormente estabelecido.
Entretanto, para explicar a contraditória aberração que o mundo ocidental vive na primeira metade do Século XXI, é necessário analisar a maior ruptura sofrida pelo gigante azul, vemelho e branco: Os Atentados de 11 de Setembro. Quatro aviões da companhia American Airlines, sequestrados por terroristas da organização al-Qaeda, seguiram o curso em direção ao World Trade Center, ao Pentágono e o quarto foi derrubado em Shanksville, na Pensilvânia.
Nesta publicação, o foco será voltado para o aspecto cultural dos atentados: A Diferença entre a Cultura Estadunidense Antes e Depois dos Atentados e o Papel da Cultura no Fomento a GWOT (Global War on Terrorism ou Guerra Global ao Terror).
A cultura estadunidense antes dos Atentados do 11 de Setembro era marcada por um extremo otimismo e um estilo de vida confortável. A economia estava em crescimento, a guerra fria havia chegado ao fim e a população estava em crescente contato com novas tecnologias. Filmes de romance ou com temas leves e esperançosos estavam tomando conta das telas de cinema, Titanic, Jurassic Park, Forrest Gump, Toy Story, Um Sonho de Liberdade e Beleza Americana são só alguns exemplos de filmes que marcaram não apenas uma época, mas uma geração. Matrix, um sucesso de bilheteria da época, mostra o ano de 1999 como o ápice da sociedade americana, repleta de prosperidade, sucesso e tranquilidade (mesmo que apenas simulada).
Em contrapartida, Clube da Luta, também de 1999, tenta mostrar o lado negativo dessa sociedade, ressaltando seu caráter consumista e alienado, na qual “trabalhamos em empregos que odiamos para comprar coisas que não precisamos”, de modo a apresentar uma análise crítica sobre esse período tão próspero para a população norte americana. Além desse ponto, o personagem Tyler Durden profere a seguinte frase: “Somos uma geração sem peso na história. Sem propósito ou lugar. Nós não temos uma grande guerra. Nós não temos uma grande depressão. Nossa guerra é espiritual. Nossa depressão, são nossas vidas.”
Além disso, outras expressões artísticas foram afetadas pela euforia do novo milênio e pelo novo sonho americano. No campo musical, as bandas e cantores buscavam experimentar o máximo possível no que tange ao uso de ferramentas e instrumentos digitais, produzindo sons que, por mais estranhos que parecessem à época, eram extremamente originais e avant garde.
No campo da TV, novos desenhos animados, séries televisivas e programas de entretenimento surgiam pelo minuto, trazendo todo tipo de diversão e informação para a população. Cabe constar que, era quase obrigatório a integração e o uso dos efeitos 3D, conhecidos como CGIs, em todo e qualquer programa.
Por fim, seria impossível não falar dos anos 1999 e 2000 sem citar a Internet, ou a “World Wide Web”, que aliada aos novos e potentes computadores, se popularizou por todo o mundo, entregando as mais diversas oportunidades de informação, trabalho e entretenimento nas casas, escolas, lan houses e empresas.
Esse contexto mudou rápido, com a grande miriade de sentimentos causados pelo atentado ao World Trade Center, deu-se o início da guerra global ao terrorismo. Após o atentado, o governo dos EUA e os países da OTAN, declararam guerra ao “Terror”, se autodeclarando como os defensores do mundo civilizado, e que qualquer pessoa ou nação que realizasse oposição a esta nova “Santa Aliança”, seria um bárbaro, merecedor da destruição bélica e econômica. Os EUA passaram a atuar em todo o globo, além do interior do próprio país, como visto com o Patriot Act, decreto que permitiu a interceptação de ligações telefônicas e e-mails por parte da inteligência americana sem necessidade de autorização do judiciário, muitas vezes criticado por possuir um caráter “Orwelliano”.
O reflexo dessas mudanças fica claro nas manifestações culturais pós 2001. Os filmes de temáticas leves se transformaram em filmes violentos que agora mostravam, de forma heroica, o desempenho das forças americanas na guerra ao terror, como em Sniper Americano e 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi. Figuras como o próprio Homem de Ferro foram introduzidas nesse contexto bélico, tendo em vista que Tony Stark era um comerciante de armas para o exército americano no primeiro filme da franquia. Os jogos, outrora mais coloridos e voltados para o público infantil, agora promoviam a violência e a guerra, como no jogo Call of Duty Modern Warfare (2007), no qual o protagonista é membro dos US Marines e participa da invasão de um país fictício no Oriente Médio. Ademais, o próprio Estado investiu na elaboração de mídias favoráveis à guerra, como a série de jogos SOCOM: US NAVY SEALS, que recebeu fundos do Ministério da Defesa (DoD) para o seu desenvolvimento.
Em suma, a sociedade estadunidense pós 11 de Setembro foi forçada a consumir a guerra, a violência, o espírito americano e a destruição, deixando para trás toda a euforia positiva da inovação tecnológica do novo milênio. Pais ficaram sem seus filhos, filhos sem seus pais, mulheres sem maridos e países orientais e não alinhados sem suas condições básicas de sobrevivência. Ao final dos quase 20 anos de Guerra ao Terror, tanto a população dos EUA quanto a população de países como Iraque, Afeganistão e Nigéria, ficaram fisicamente e psicologicamente marcadas, gerando instabilidade política e social gritante nos últimos 8 anos.
O vácuo de poder criado pela invasão de parte do Oriente Médio e do continente africano permitiu a proliferação de grupos armados e ideologias extremistas, além de desmoralizar qualquer tipo de discurso ocidental sobre paz, estabilidade e prosperidade, criando a aberração contraditória citada anteriormente. De certa forma, a sociedade americana também foi desestabilizada, acarretando na multiplicidade de milícias armadas no país e nos movimentos políticos de extrema direita.
Por fim, os únicos vencedores do movimento cultural pós 11 de Setembro foram as grandes empresas bélicas e petrolíferas, lucrando bilhões de dólares em cima do vão sacrifício dos compatriotas americanos, e do genocídio das populações ditas barbaras, por George W. Bush. Os EUA adentraram o túnel da Guerra ao Terror como Césares, e saíram como “Vercingetorixs”.
Sugestão dos autores:
Assista também https://youtu.be/IQoYIc4bqt8?feature=shared
para uma nova visão desta temática.
Achei muito interessante o assunto abordado, parabéns aos autores do artigo.