top of page

EM MEMÓRIA DE EVARISTO

  • ogladio2024
  • 30 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura

Julio Silva

 

            A memória é um elemento essencial da identidade, como destacou o historiador Jacques Le Goff. A busca pela identidade é uma atividade fundamental tanto para indivíduos quanto para sociedades. Portanto, a memória é um fatos de extrema importância na formação do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou grupo.

 

            A Memória Individual existe, mas só ganha significado em relação a um grupo do qual faz parte uma vez que depende do seu contexto de referência, carregado pela simultaneidade onde o grupo e o indivíduo se encontram. É nesse entrelaçamento que lembranças se tornam interferências coletivas, moldando a história dos grupos sociais.

 

            A lembrança é, portanto, um elemento de reconstituição da história onde transitam os vários “eus” de um grupo num determinado tempo. As memórias/impressões individuais são carregadas das impressões dos outros. O indivíduo então participa de dois tipos de memórias distintas “uma interior ou interna, a outra exterior – ou então uma memória pessoal e a outra, memória social. Mais exatamente ainda (…), diríamos memória autobiográfica e memória histórica” (HALBWACHS, 2006).

 

            Há cem anos, o Centro Acadêmico Evaristo da Veiga foi fundado como um defensor de ideias, um espaço de debate e um agente de mudança dentro da nossa comunidade estudantil. Temos um século de memórias para contar, e mesmo que se passem mais cem não daremos conta de narrar todos os detalhes dos primeiros.

 

            Nosso patrono, Evaristo da Veiga – um ícone do jornalismo, poesia e política brasileira do século XIX – personifica os valores de liberdade, justiça e coragem que guiam nossas ações até os dias de hoje. Moderado, mas nunca foi indiferente ou conformista, Evaristo trocou a posição de espectador pela de combatente de primeira linha do despotismo mascarado de D. Pedro I. Ele acreditava que “diante do perigo comum, o indiferentismo é um crime”. Queria instituições livres e todas as teorias constitucionais, que formavam o ideal político de seu tempo, sendo adotadas no Brasil.

 

            Da mesma forma, o CAEV nunca deixou de ser atuante e combativo, utilizando seus jornais para alimentar a mente dos alunos e dar alicerce e respaldo ao movimento dos “moços” da Faculdade de Direito de Niterói. Fundado na sede da outrora Facvldade de Direito Teixeira de Freitas, o CAEV dá seus primeiros passos dentro de uma escola de ensino privado buscando gratuidade para inscrição no vestibular, gratuidade de matrícula ou redução de mensalidade para estudantes em estado de vulnerabilidade econômica.

 

            Em 2007, o Dr. Rubens Approbato Machado contou à Revista do Consultor Jurídico uma história sobre a reputação dada às faculdades de Direito na década de 50: “Havia um juiz na 1ª Vara Criminal de São Paulo, conhecido como Plínio Louco porque era nervoso, temperamental. Um dia, um jovem advogado, recém-formado, foi despachar com ele. Temeroso pela fama do homem, perguntou como ele, advogado, deveria se portar perante o juiz: se deveria falar em pé ou sentado… O juiz afirmou: ‘Depende. Se for da Faculdade do Largo São Francisco, fale sentado. Se for da PUC, fale de pé. Mas, se for da Faculdade de Direito de Niterói, fale comigo de joelhos’”. Certamente, Plínio Louco precisaria reconsiderar sua opinião sobre nossa Faculdade, ao conhecer figuras emblemáticas que passaram pelo Centro Acadêmico.

 

            Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes, com visão progressista e compromisso com a inclusão, liderou o CAEV em um período de desafios e transformações, promovendo a diversidade e a participação de toda comunidade estudantil. Jorge Sader, então diretor d’O Gládio, descreveu-o como “trabalhador incansável, sonhador grandiloquente, idealista notável e pedreiro intelectual”.

 

            Atuou como Juiz Trabalhista (1941); em 1946 assumiu a presidência do Conselho Nacional do Trabalho, sendo responsável por reestrutura a Justiça do Trabalho, integrando-a ao Poder Judiciário e se tornou o primeiro presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Por duas vezes foi Professor e Diretor desta Faculdade.

 

            Sua atuação corajosa e comprometida contribuiu significativamente para moldar o sistema jurídico brasileiro e para promover uma sociedade mais justa e igualitária.

 

            Humberto Peña de Moraes destacou-se pela resistência à Lei Suplicy Lacerda,  quando a Ditadura dava seus primeiros passos investindo contra os estudantes e as organizações estudantis.

 

            Fernando Santa Cruz, cuja memória continua a inspirar a luta pela verdade e pela justiça, trouxe consigo um espírito de resistência e de solidariedade que ressoa ainda hoje em nossos corações, lembrando-nos da importância de defender os direitos humanos e a democracia em todas as circunstâncias.

 

            João Luiz Duboc Pinaud, com sua dedicação incansável à causa estudantil, demonstrou que a juventude tem um papel fundamental na construção de um futuro melhor.

 

            Manoel Martins (sênior) tinha o comunismo como uma forma de afeto, acreditava que o amor pleno só é possível desejando e lutando por uma sociedade igualitária.

 

            E, após estes, muitos outros líderes se destacaram: Aderson, Claudia, Marcelo, Ozéas, Taiguara, Rhaissa, Heloísa, Thiago, Yana, Yasmin, Felipe, Inara, Isabela… Suas ideias e compromisso com a justiça e a democracia continuam a inspirar as gerações futuras de estudantes desta casa.

 

            Em 1972, o acadêmico Gil Luciano (Presidente do DAEV) escreveu aos estudantes no Jornal Terceiro Mundo - nome alternativo d’O Gládio - sobre a importância da representação estudantil: “O DAEV não é uma entidade que existe sem a vontade dos alunos (determinado grupo de uma determinada sociedade). Ele depende da participação efetiva e consciente deste grupo, pois, do contrário, será apenas um porão com móveis e utensílios; débil; sem capacidade para representar a vontade de quem quer que seja. E se assim for, serão constatados uma omissão, um egoísmo e, o que é pior, uma alienação passiva, a própria lobotomia”.

 

            Esta resistência e espírito combativo sustentam o CAEV há 100 anos. Uma luta que começou pequena e se limitava ao espaço da Faculdade de Direito, passou a abraçar e acolher a comunidade externa rememorando os discursos e a história do livreiro autodidata que defendeu um ideal de nação livre e soberana, onde todos serão igualmente livres e tratados com justiça.

 

            Não podemos esquecer eventos históricos, como da bandeira Antifascista em 2018. Esse episódio simboliza a coragem e a determinação dos estudantes em se opor às ideologias totalitárias e defender os valores democráticos e humanistas.



Por: Julio Cesar Santos da Silva,

Graduando em Direito pela UFF e pesquisador da História do Centro Acadêmico Evaristo da Veiga e foi dirigente do CAEV (2018-2019). https://lattes.cnpq.br/9653197465896589

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
É O FIM DO CÔNJUGE HERDEIRO?

Reflexões sobre o critério de convocação no anteprojeto do Código Civil Liga Acadêmica de Direito de Família e Sucessões 1. INTRODUÇÃO O...

 
 
 

Comments


bottom of page